Jovens baianos contam como vivem com a Aids e por que não escondem diagnóstico; leia histórias
Sete anos:
tempo suficiente para concluir a faculdade de Direito, mudar-se para São Paulo,
começar e terminar um mestrado em Direitos Humanos e Epidemia de Aids,
firmar-se como militante de uma causa, lutar pela quebra de patentes de
medicamentos e aparecer em uma propaganda premiada com um cartão HIV positivo
nas mãos.
Este é um
recorte do que aconteceu na vida do advogado baiano Oséias Cerqueira, 27 anos,
que vive com a doença desde os 20. Oséias, ou Ozzy, como é chamado, faz parte
dos 2.588 jovens já diagnosticados com a doença na Bahia desde 1984, quando foi
registrado o primeiro caso.
Também
integra o grupo Marli Gleyze de Jesus, 22. Ela se descobriu com Aids aos 8
anos. A síndrome foi transmitida pela mãe, que também não sabia que tinha o
vírus. Jovens na idade deles fazem parte das populações-chave que devem receber
atenção redobrada do Ministério da Saúde nas ações de combate à doença.
O
diagnóstico de Ozzy veio em 2008, quando era aluno do terceiro semestre do curso de Direito da Ufba. Ele foi procurado
por um ex-namorado que lhe contou que estava doente. “Conversei com minha mãe,
falei que era possível. Fiquei bastante receoso e sabia que aquilo significava
alguma coisa”, lembra.
Coragem
“Aos poucos,
eu comecei a criar coragem, conversei com a minha família que é superaberta. E,
aos poucos, fui me colocando como uma que vivia com Aids e que estava disposta
a militar”, relata Ozzy. Marli, pelo contrário, não precisou contar para
ninguém.
Mesmo assim,
sofreu com o preconceito. “Quando a minha mãe descobriu, eu já tinha 8 anos e
ela estava bem debilitada. Saímos da
casa de parentes e fomos para a Caasah (Casa de Apoio e Assistência ao
Portador do HIV/Aids). Nunca tive problema com isso, sempre convivi de boa com
o HIV. Mas o preconceito sempre rola: na escola, na rua”, conta.
Um ano
depois de descobrir a doença, a mãe de Marli morreu. A jovem, hoje, é mãe de
uma menina de 1 ano e 8 meses e voltou há um ano para a casa de apoio, onde
trabalha como cuidadora.
Apoio
Ozzy, hoje
voluntário na Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e lutando
pela quebra da patente de medicamentos, tem uma história de aceitação, mas sabe
que não é sempre assim. “Nunca passei por preconceito na minha família. Mas sei
que não é a regra”.
Apoio, neste
caso de uma médica, também foi fundamental para Penélope Correia*, 40. “Eu não
vivo com a Aids, ela é quem vive comigo e eu tenho certeza que ela já se
arrependeu. Se esse vírus soubesse que eu sofro de felicidade extrema, ele não
encostava em mim”.
Quando
descobriu a doença, tinha 23 anos e um namorado — quem lhe transmitiu o vírus
HIV. Toma o coquetel há 17 anos. Achou que não poderia mais trabalhar e, no
entanto, foi secretária executiva do Gapa Bahia. No trabalho, descobriu mais
quatro mulheres que haviam sido infectadas pelo mesmo homem que ela.
“Sou
apaixonada pela minha vida, tomo os remédios religiosamente, é como se fosse a
ração dos meus soldados”, completa. Há cinco anos, Penélope é indetectável – ou
seja, não transmite mais o vírus.
*Nome
fictício
Especial
Correio24h