Leandro Colling: as múltiplas razões da proliferação do HIV
Nos últimos meses, tenho colecionado
tristes histórias vividas por pessoas que contraíram o vírus HIV. Uma delas
morreu muito jovem, tinha um futuro promissor. Descobriu que era portadora do
vírus quando seu corpo já manifestava graves doenças. A outra pensava que
estava com uma alergia na pele, mas as manchas já haviam sido provocadas pelo
HIV. As duas receberam todas as informações sobre como se prevenir para não
adquirir as chamadas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), mas isso não
foi suficiente para evitar a contaminação. Por isso, vale perguntar: por que as
pessoas estão se expondo tanto?
Quem
pensa sobre esse tema em geral diz que o aumento de casos de HIV/Aids ocorre
porque o governo diminuiu os investimentos na prevenção. As campanhas são
escassas e, quando existem, dirigidas ao público em geral e não para grupos
específicos, como os gays jovens, por exemplo. Uma campanha para esse público
foi retirada do ar, em 2012, por pressão dos fundamentalistas religiosos.
Outros dizem que os jovens de hoje não viram os seus ídolos morrerem por
complicações do HIV e, com os novos tratamentos, criou-se a ideia ilusória de
que ninguém mais morre por essas razões. Tudo isso é verdade, mas não diz tudo
sobre o problema.
Além
dessas razões, a proliferação do HIV pode ser explicada também por razões menos
concretas e óbvias e, portanto, mais invisíveis e subjetivas. Uma delas diz
respeito a algo que poucos especialistas ousam falar em público: as pessoas
buscam no sexo a satisfação máxima de prazer e, para muitas delas, a camisinha
diminui essa sensação tão desejada. Se isso é verdade, como pensar em campanhas
de prevenção que levem esse dado em consideração? Se o “use camisinha” não
funciona, como desenvolver técnicas que reduzam um pouco as contaminações? Até
quando vamos evitar esse debate?
E
por que colocamos na prática sexual, algo que dura tão pouco, em comparação com
as atividades que desenvolvemos diariamente, tanto peso na satisfação dos
nossos desejos? Podemos pensar em várias direções, vou citar apenas duas:
nossas vidas são muito enfadonhas, chatas, terrivelmente domesticadas,
reguladas e pouco prazerosas. Subjetivamente, pensamos: se não podemos sequer
gozar do jeito que desejamos, o que mais nos resta?
Outra
direção possível, que aponta para um rumo distinto: por que, ao longo de
séculos, fomos tão incapazes de criar outras práticas sexuais que fujam das
mais convencionais, que são aquelas que mais causam efeitos indesejados, como a
contração de DSTs e/ou de gravidez indesejada? Por que as nossas práticas
sexuais são tão centradas em uma lógica falocêntrica, ou dito de uma forma mais
direta, em enfiar ou receber um pênis em algum buraco? E por que qualquer
prática que fuja dessa lógica é tão repudiada? Essas questões mais invisíveis,
junto com as mais visíveis, colocam imensos desafios para que possamos deixar
de conviver com as tais histórias tristes.
* Leandro Colling
é professor da Ufba, coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade