Ativistas temem que recomendação da OMS para todos HSH tomarem antirretrovirais prejudique outras formas de prevenção
O aumento das infecções por HIV entre homens que fazem
sexo com homens (HSH) em todo o mundo levou a Organização Mundial da Saúde
(OMS) a recomendar a essa população que, além de usar preservativos, tome
antirretroviral como medida de prevenção. Ou seja, adotem a Profilaxia
Pré-Exposição (PrEP), que consiste no uso de remédios para se proteger da
exposição ao vírus. No Brasil, a adoção da PrEP já é objeto de estudo. Veja a
opinião de ativistas, gestores e especialistas sobre a nova orientação da OMS.
Como informa Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa
Estadual de DST/Aids de São Paulo, no Brasil a PrEP é objeto de um estudo
envolvendo o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais (DDAHV), o Centro de
Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT-SP, ligado ao Programa Estadual), a
Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Daqui a pouco, a PrEP será recomendada em nosso país,
para o grupo de HSH. Porém, mesmo entre esse grupo é preciso ver quem poderá
ser beneficiado e como será feito isso. Eu acho que não pode ser para todos,
indistintamente. Tem de ser para os mais vulneráveis e combinado com a
camisinha”, defende Maria Clara. “Nossos estudos estão em fase inicial, estamos
recrutando pessoas para aprofundar bem essa necessidade.”
O professor do Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da USP Mário Scheffer também alerta para a necessidade de
a medida ser combinada com outras possibilidades. “Tem de ser vista como um
direito a mais das populações vulneráveis, medida complementar e não
substitutiva da prevenção tradicional.”
Mário Scheffer se diz preocupado com a forma como a OMs
fez a recomendação. “Parece prescrição imposta e não uma ferramenta a mais que
deve ser oferecida com consentimento. A outra preocupação: como o Brasil
abandonou totalmente a política de prevenção dirigida aos gays, estamos sendo
atropelados com diretrizes vindas de fora”, continua o professor . “Temos de
formalizar urgente consensos de prevenção no Brasil para as populações
vulneráveis.”
A recomendação do uso de antirretrovirais pela OMS também
foi sugerida para outros grupos considerados de alto risco, como transexuais,
prisioneiros, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo. Juntos,
diz a OMS, esses grupos correspondem a cerca de metade das novas infecções pelo
HIV no mundo. “Estamos vendo a epidemia explodir”, disse Gottfried Hirnschall,
chefe do departamento de HIV da OMS.
Maria Clara diz que no Brasil só os HSH, que tem tido
maiores taxas de infecção, estão incluídos no estudo da PrEP. “Nas
penitenciárias, ainda estamos na fase de conseguir acesso ao sistema para fazer
testagem, tratamento.”
O pesquisador e ativista Jorge Beloqui vê a medida como
mais uma ferramenta que se incorpora à prevenção e, por isso, a considera
bem-vinda. “Seria importante que fosse adotada logo no Brasil. Mas é preciso
que venha acompanha de cuidados essenciais, como a testagem dos usuários com
frequência, o monitoramento dos efeitos colaterais e a adesão”, comenta
Beloqui.
Integrante da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens
Vivendo com HIV/Aids, Diego Calissto acredita que a recomendação seja
importante. “Principalmente pelo fato de que por mais que a camisinha seja
segura ela ainda traz alguns entraves que vão desde o fetiche pelo sexo sem a
mesma até os riscos de estourar. Acho que a PreP deve ser distribuída, sim,
para grupos de pessoas em situação de risco acrescido, o que envolve mulheres,
gays, transgêneros, pessoas na terceira idade e, principalmente, jovens que
passaram a banalizar o uso da camisinha e encarar a aids como uma doença
tratável, sem danos e riscos.”
Silvia Almeida, ativista do Movimento das Cidadãs
Posithivas, acredita que ainda não há total conscientização das pessoas sobre a
necessidade do uso do preservativo. “Neste sentido, a PrEP é muito importante,
porque as pessoas passam a contar com dupla proteção. Acho que será boa não só
para a população HSH como para todas as pessoas que se relacionam com parceiros
discordantes.”
Ozzy Cerqueira, da Rede Latinoamericana de Jovens Vivendo
com HIV/Aids, vê com receio a orientação da OMS. “Fico muito apreensivo com o
crescimento das políticas voltadas para a medicalização e o controle dos grupos
de HSH. Penso que é preciso construir estratégias que levem em conta o estilo
de vida e a sexualidade desse público e, sobretudo, pensar em garantir a ele o
direito à saude de uma maneira mais ampla.”
“A impressão que as campanhas governamentais passam é ‘
se infectem que nós diagnosticamos’. Só há campanha de diagnóstico, não de
prevenção”, opina Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de Ongs/Aids do Estado
de São Paulo. “Temos, sim, de oferecer mais alternativas de prevenção,
principalmente para os que não querem
usar preservativo. Então, essa medida tem de ser vista
como mais um direito, junto com outras campanhas sobre o uso do preservativo na
prevenção, uma pauta esquecida pelas ações governamentais.” Eduardo Luiz
Barbosa, coordenador do Centro de Referência e Defesa da Diversidade e do grupo
Pela Vidda SP, acredita que a orientação da OMS reforça práticas equivocadas de
atenção à aids. “Ela reforça uma prática que vem se tornando perigosa, que é
medicamentalizar de vez a prevenção . Como se fosse fácil manter a ingestão de
pílulas pro resto da vida. As campanhas para populações em maior
vulnerabilidades precisam ser mais diretas e sem receio de ferir preceitos
morais ou dogmáticos. Não podemos acreditar que o oferecimento da medicação
será algo que se sustente, já está aí há alguns anos a recomendação para a Prep
e Pep (profilaxia pós exposição) e não conseguimos avançar na sua efetivação.
Como efetivar esta recomendação numa sociedade onde ser gay ainda e sinônimo de
depravação , pecado e escárnio?”
Para o ativista e ator carioca Cazu Barros, a medida da
OMS reforça as políticas de favorecimento da indústria farmacêutica. “Primeiro,
vieram com o tratamento precoce, indicando os antirretrovirais assim que o
diagnóstico é feito. Agora, com remédios para todos os HSH. E há quantas andam
as pesquisas sobre efeitos dos antirretrovirais nos corpos de quem faz
tratamento?”, questiona Cazu.