Ceará forma primeira travesti doutora do Brasil
Luma Nogueira Andrade defendeu tese sobre travestis matriculadas
na rede estadual de ensino do Ceará, que narra os maus-tratos sofridos por elas
no ambiente escolar
Durante a
infância, Luma Nogueira Andrade sofreu com o preconceito de colegas e
professores na escola. Mais tarde, já formada e funcionária pública concursada,
teve de enfrentar novamente esse mau e no mesmo ambiente. Nesta sexta-feira
(17), a protagonista desse histórico de discriminação se tornou a primeira
travesti do País a obter um título de doutorado.
Em março
deste ano, o i G contou como foi a vida de Luma desde a infância na pequena
cidade de Morada Nova, no interior do Ceará, até ingressar no doutorado em
Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) . Cinco meses depois, a
reportagem acompanhou o dia da defesa da tese em um auditório do câmpus do
Benfica, em Fortaleza, lotado por amigos, ex-alunos e colegas pesquisadores.
Bastante
elogiada pela banca, a tese de Luma foi indicada para publicação. Contudo,
antes de trabalhar para ver sua pesquisa em forma de livro, ela vai tentar se
eleger vereadora pelo PT no município de Russas, onde lecionou por muitos anos.
Com o título
"Travestis na escola: Assujeitamento ou resistência à ordem
normativa", a pesquisa faz um levantamento das travestis matriculadas na
rede estadual de ensino do Ceará e narra os maus-tratos sofridos por elas no
ambiente escolar. Ao longo do trabalho, os relatos das entrevistadas se
confundem com o que foi vivido pela própria pesquisadora, num cruzamento de
autobiografia e etnografia.
"Eu ia
percebendo em minhas interlocutoras que, na verdade, existe uma diversidade de
formas de travestis e que a realidade que elas vivem não é a mesma que eu
vivi", contou, durante a apresentação.
Com o estudo,
Luma concluiu que falta aos professores e gestores uma formação que vá além do
conteúdo das disciplinas e dê conta das questões de gênero não apenas para
tratar da homossexualidade no currículo, mas principalmente lidar com as
especificidades de cada pessoa.
"Eu
percebi uma verdadeira confusão. Eu vi que os gestores não sabiam identificar
os travestis", disse.
Para o
antropólogo Alexandre Fleming Câmara Vale, um dos professores a participar da
banca examinadora, a tese de Luma é um "marco" para os estudos sobre
travestis. "É a primeira vez que uma travesti escreve sobre a experiência
das próprias travestis".
"O
trabalho da Luma é uma chamada para a reflexão dos educadores e ao mesmo tempo
tem esse lado político, por ela ter um envolvimento direto com o tema",
avaliou a orientadora de Luma, a doutora em Educação, Celecina de Maria Veras
Sales.