Salve o 28 de Junho, pelo orgulho de sermos LGBTTT
Nesta semana do dia 28 de
Junho, dia do orgulho LGBTTT, muito há que se comemorar, mas muito mais a
refletir. Para início de texto e de ações concretas, o Brasil precisa pagar a
sua dívida histórica para com as chamadas “minorias sexuais”, em face do
sentimento odioso que ainda movimenta tantas mentes preconceituosas: a
homo(trans)fobia. Foi tal sentimento, desdobrado em ações brutais, que levou a
óbito, esta semana, um dos irmãos gêmeos, no município de Camaçari-BA, pelo
fato de os mesmos, ao externarem afeto um pelo outro (abraçarem-se em público),
terem sido confundidos como um casal homossexual. Esta é a prova contundente de
que, infelizmente, no “país do carnaval, das outras tantas festas e da liberação”,
as discriminações com base na orientação homoafetiva ou na transgeneridade das
pessoas atingem índices alarmantes, a clamarem intervenções sérias e mais
educação pelo respeito efetivo à diversidade.
A via atualmente mais
eficaz para o reconhecimento dos direitos das(os) LGBTTT, no Brasil, tem sido a
judicial, mesmo diante do conservadorismo de parte da magistratura. Se, por um
lado, preocupa o silêncio do Poder Executivo e a sua falta de coragem para com
a efetivação de políticas público-governamentais de combate ao preconceito com
base na orientação sexual e na transgeneridade das(os) cidadãs(ãos), mais
assustador, ainda, é o descompromisso do Poder Legislativo - no âmbito federal.
A urgência de os magistrados realizarem uma interpretação justa,
humana e socialmente útil das leis, capaz de reconhecer, por exemplo, os
direitos emergentes das uniões entre homossexuais e de lhes possibilitar o
pleno acesso à justiça, compreende-se e justifica-se, dentre outras razões,
pela omissão do Poder Legislativo e, em especial, do Congresso Nacional, que,
até o momento, não contribuiu para afirmar a dignidade e o respeito efetivo a
milhões de cidadãs(ãos) brasileiras(os) vitimadas(os) pelo preconceito e,
outrossim, pela homo(trans)fobia.
O estágio atual do conhecimento humano impossibilita juízos
discriminatórios e omissões estatais, com base na orientação sexual ou nos
traços de gênero das pessoas. Até o momento, a discriminação por omissão,
percebida na esfera do Congresso Nacional (quando aos direitos da vasta e
heterogênea população LGBTTT) assenta-se em concepções que jamais poderiam
interferir na atividade de representantes legítimos da sociedade, pois são
insustentáveis do ponto de vista científico. Os argumentos das citadas bancadas
católicas e evangélicas, por exemplo, refletindo interpretações ou
posicionamentos ideológicos, doutrinários, subjetivos e culturais delimitados,
não devem se sustentar como óbice à aprovação de projetos que, por exemplo,
equiparem, para fins diversos, os efeitos jurídicos das uniões homossexuais aos
das relações heterossexuais. O que fundamenta tais projetos não são doutrinas
(ou questões de fé), mas a cidadania e a dignidade de pessoas e de famílias
excluídas do ordenamento positivo, por conta de um traço fundamental, que não
mais pode ser alvo de discriminação: a orientação afetivo-sexual. Se essa,
voltando-se para o mesmo sexo, fere dogmas ou a forma particular de
interpretação bíblica desta e daquela igreja ou doutrina, o Estado não tem a
ver com isso, devendo tratar e conceber os seus cidadãos, como "iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (art. 5º, caput). Caso
contrário, abre mão da racionalidade (prova científica) e afronta princípios
constitucionais elementares, admitindo influências de ordem
normativo-ideológico- religiosa. O silêncio estatal, além de perverso, é
desvio de compromisso (para com os Direitos Humanos), por omissão, que rompe o
pacto social erigido com a Lei Maior de 1988, pois deixa sem reconhecimento e
regulação efetiva os atributos fundamentais à livre afetividade e à
transgeneridade de milhões de LGBTTT. Como afirma o Prof. Dr. Paulo Bezerra, na
obra “Acesso à Justiça” (Ed. Renovar), sendo “possível produzir leis
direcionadas a beneficiar alguns poucos, por que não fazê-las para beneficiar a
maioria? Se essa possibilidade se dá ao legislador, então que se produzam leis
mais justas!".
O acesso à justiça, para além do aparelho judiciário (do
processo e da atividade jurisdicional) encontra na produção/omissão legislativa
o maior obstáculo e a nascente impeditiva do exercício pleno da cidadania, por
parte das(os) LGBTTT. Sem dúvida, o direito constitucional a uma ordem
jurídico-social justa só se estenderá a esta parcela da população, quando os membros
do legislativo compreenderem a incoerência ético-profissional de atuarem
motivados ou influenciados por preconceitos ou por dogmatismos engessados.
Realmente, o dever de quem legisla ou assume função no Poder Legislativo é
produzir leis para o devido amparo a todos os cidadãos, sem discriminações
injustificadas. Afinal, podemos nos questionar o que poderá ocorrer, no Brasil,
com a crescente fragmentação do Congresso em bancadas e com o crescimento dos
movimentos pentecostais e fundamentalistas... Os subgrupos se unem para
legislar para “os seus”... E os demais cidadãos, que são “iguais perante a lei”
em direitos e obrigações, onde ficam?
É de se questionar até que ponto a influência preconceituosa de
bancadas (como a evangélica) impede a votação, ou tal óbice é fruto, na
verdade, da falta de compromisso efetivo e de vontade política de grande parte
dos parlamentares, para com a situação de desamparo legal das(os) LGBTTT –
muitas(os) das(os) quais os elegera, em contrapartida, esperando uma atuação legiferante
isonômico-cidadã, ou seja, para todos, sem distinção. É necessário, pois, que
os atraídos afetivamente pelo mesmo sexo e às(os) transgêneras(os) escolham
melhor os seus representantes políticos, porque, sem que seja vencida tal
realidade discriminatória, continuarão a ver negligenciados direitos e
garantias constitucionais fundamentais, em virtude de preconceito intolerante,
além de correrem o risco de a homo(trans)fobia se intensificar, partindo das
próprias estruturas estatais - das chamadas "casas da democracia",
para os outros níveis de poder. Com efeito, estas bases não podem se manter,
pois tal violência ao princípio isonômico compromete, ao mesmo tempo, a
dignidade humana e a própria legitimidade democrática do ordenamento.
É preciso não somente que as(os) LGBTTT saibam em quem votar,
mas unam-se na luta com relação aos seus próprios direitos, para que esses não
restem somente nas interpretações das mulheres e homens corajosos, de boa
vontade ou “politicamente corretos”. Vamos prosseguir, pois, lutando para que o
Brasil aja, cada vez mais, como país LAICO, apartado das visões restritivas
doutrinário-religiosas, e garanta a todas(os) o seu direito fundamental de,
livremente, exercer a sexualidade. Essa, em verdade, é bela. O que a deturpa é
o preconcento.
Na festa da diversidade, não há lugar para fracos ou
falso-moralistas. Desses(as), os púlpitos de templos andam cheios, quando a
pregação não corresponde à ação. Prefiro as escolas, mestres e alunos, com
livros que ensinem cada um a respeitar os direitos de todas(os). Prefiro ainda
as ONGs, com ativistas atuantes pela liberdade. Prefiro, enfim, a vida, com
pessoas que amam, indistintamente e sem hipocrisia, de verdade!
Salve o 28 de Junho, pelo orgulho de sermos LGBTTT!
Enézio de Deus – Autor de livros e artigos
jurídicos; Advogado; Servidor público (EPPGG - BA); Professor de Direitos
Humanos; Membro do IBDFAM; Mestre e doutorando em Família pela UCSAL.