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Dano moral coletivo avança e inova na jurisprudência do STJ



A possibilidade de indenização por dano moral está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso V. O texto não restringe a violação à esfera individual, e mudanças históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial.

O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Essas ações podem tratar de dano ambiental (lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), desrespeito aos direitos do consumidor (por exemplo, por publicidade abusiva), danos ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade (negra, judaica, japonesa, indígena etc.) e até fraude a licitações.

A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi vê no Código de Defesa do Consumidor um divisor de águas no enfrentamento do tema. No julgamento do Recurso Especial (REsp) 636.021, em 2008, a ministra afirmou que o artigo 81 do CDC rompeu com a tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo ordenamento.

Com o CDC, “criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados”, explicou Andrighi, em seu voto.

Na mesma linha, a ministra citou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no artigo 208 permite que o Ministério Público ajuíze ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente. A ministra classifica como inquestionável a existência, no sistema legal brasileiro, dos interesses difusos e coletivos.

Uma das consequências dessa evolução legislativa seria o reconhecimento de que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não patrimonial. Dano que, para a ministra, deve encontrar uma compensação.

“Nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos”, concluiu Andrighi.

Vinculação individualA posição da ministra Andrighi encontra eco nos Tribunais, mas a ocorrência do dano moral coletivo é, ainda hoje, polêmica no STJ. Caso a caso, os ministros analisam a existência desse tipo de violação, independentemente de os atos causarem efetiva perturbação física ou mental em membros da coletividade. Ou seja, é possível a existência do dano moral coletivo mesmo que nenhum indivíduo sofra, de imediato, prejuízo com o ato apontado como causador?

Em 2009, a Primeira Turma negou um recurso em que se discutia a ocorrência de dano moral coletivo, porque entendeu “necessária sua vinculação com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão” (REsp 971.844).

Naquele caso, o Ministério Público Federal pedia a condenação da empresa Brasil Telecom por ter deixado de manter postos de atendimento pessoal aos usuários em todos os municípios do Rio Grande do Sul, o que teria violado o direito dos consumidores à prestação de serviços telefônicos com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza.

O relator, ministro Teori Zavascki, destacou que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou que eventual dano moral, nesses casos, se limitaria a atingir pessoas individuais e determinadas. Entendimento que estava de acordo com outros precedentes da Turma.

Em 2006, Zavascki também havia relatado outro recurso que debateu a ocorrência de dano moral coletivo. O caso se referia a dano ambiental cometido pelo município de Uberlândia (MG) e por uma empresa imobiliária, durante a implantação de um loteamento.

A Turma reafirmou seu entendimento de que a vítima do dano moral deve ser, necessariamente, uma pessoa. “Não existe ’dano moral ao meio ambiente’. Muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único” (REsp 598.281).
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